Antônio Poteiro
Antonio Batista de Souza (Santa Cristina da Pousa, Braga, Portugal, 1925 – Goiânia, Goiás, Brasil, 2010), pintor, ceramista. Considerado um dos mais representativos criadores da arte naïf brasileira, sua produção se caracteriza pela profusão de personagens e ornamentos, abordando os campos do sagrado e do profano a partir de uma poética original que mistura histórias bíblicas, folclóricas, vida cotidiana e imaginário.
Vive na antiga freguesia portuguesa de Santa Cristina da Pousa até um ano e meio, quando se muda para o Brasil. Descendente de família de artesãos, perde a mãe aos 8 anos, deixa a casa do pai aos 16 e mora em vários lugares, entre eles Uberlândia (MG) e a Ilha do Bananal (TO), até se estabelecer em Goiânia (GO). Trabalha como cisterneiro, padeiro, cozinheiro e faxineiro antes de começar a fazer potes de barro. É na rotina da produção de cerâmica utilitária que adquire conhecimento do material e da técnica que utiliza posteriormente em suas peças escultóricas. As primeiras iniciativas de trabalhar com imagens figurativas não são muito bem sucedidas. Mas a partir do contato com a pesquisadora Regina Lacerda (1921-1992), que orienta o artista a assinar suas peças e compra trabalhos dele para coleções de museus, a produção de Antonio Poteiro começa a ser valorizada. Na década de 1970, conhece os artistas Siron Franco (1947) e Cleber Gouvêa (1942-2000), que o incentivam a pintar, e seu trabalho ganha reconhecimento em outras regiões do Brasil.
Os temas abordados por Antonio Poteiro tanto em suas cerâmicas quanto nas pinturas estão ligados ao imaginário popular, à religiosidade e ao dia a dia da população local. Estão presentes os festejos, como a Cavalhada de Pirenópolis e a Festa do Divino; passagens bíblicas, como as histórias de Adão e Eva, de Noé e dos Três Reis Magos; imagens de deuses e demônios; circos, cirandas, jogos de futebol; toda a sorte de animais; homens e mulheres representados das mais diversas maneiras e os sonhos do artista. Seu trabalho transmite uma percepção de mundo que opera a partir da oposição dos conceitos de bem e mal, tanto no que diz respeito às estruturas sociais quanto às questões místicas. Essa temática é tratada de modo lúdico, a partir de uma estética própria e independente dos cânones da arte clássica ou moderna. Outra característica do tratamento dos temas é o aspecto narrativo dos trabalhos, que contam histórias com certa dramaticidade barroca e riqueza de detalhes das cenas.
As esculturas em cerâmica se caracterizam pela superfície minuciosamente trabalhada em diversos tipos de texturas, que enriquecem cenas e personagens. As cenas são, em geral, construídas a partir de estruturas circulares, povoadas em profusão por pequenas figuras de pessoas e bichos. É o caso de A ecologia, na qual uma fila de indígenas em círculo ocupa a base da peça, tendo logo acima uma outra fileira de pessoas e, no topo, uma ave simbolicamente protegida. De acordo com Frederico Morais (1936), a acumulação de figuras lembra os tímpanos das igrejas românicas e góticas.
Já no caso das peças de figuras únicas, são recorrentes as imagens de santos e representações de Deus, como Deus-balança, Deus-tartaruga, Deus-amor. As figuras são construídas de maneira rústica e aparentam ser resultado de gestos rápidos, com traços e expressões caricaturais feitos com pequenos alto-relevos e riscos de graveto. Em Nossa Senhora Karajá, o artista esculpe uma Nossa Senhora com o corpo e um turbante formados de folhas, carregando um bebê no colo e tendo a seus pés uma ciranda de crianças. A partir da segunda metade da década de 1970, o artista começa a pintar algumas de suas cerâmicas, como em Jesus e os santos (1976).
Pintando com ambas as mãos, Antonio Poteiro não faz uso da perspectiva em suas telas, o que enfatiza a bidimensionalidade do meio. Sem estabelecer um esboço, inicia o trabalho escolhendo a cor de fundo e recobrindo toda a superfície. Em uma segunda etapa, estabelece a disposição de personagens e objetos e, por fim, acrescenta os detalhes. É nessa terceira fase que pinta a ornamentação das roupas, da paisagem e dos animais. Organizando as figuras de modo simétrico e fazendo uso de tintas de cores primárias, ainda que não haja o apoio de um desenho prévio, nada parece ser improvisado, mas estrategicamente planejado em estruturas horizontais ou circulares, compostas pela repetição de figuras ou gestos.
Em A Semana Santa em Goiás (1980), o artista utiliza o recurso de dividir a tela em três quadrantes, apresentando simultaneamente cenas que acontecem em tempos e lugares distintos. Enquanto na base da tela vemos s representação da Procissão do Fogaréu – tradicionalmente realizada na cidade de Goiás, na meia-noite da Quarta-Feira Santa, com os penitentes encapuzados carregando tochas de fogo –, no canto esquerdo superior temos o nascimento de Jesus, e no direito, a fuga para o Egito. A semelhança na estrutura formal das personagens, que variam apenas nas cores das roupas, enfatiza a sensação de simetria provocada pela disposição das figuras no espaço.
Reconhecido pela crítica especializada como um dos artistas mais interessantes do Brasil em seu período de vida, Antonio Poteiro realiza diversas exposições individuais e seu trabalho está presente em coleções públicas e particulares. Sem filiação à tradição ou a escolas artísticas, cria uma linguagem própria a partir da releitura de temas religiosos, folclóricos ou imaginários, marcando a arte de Goiás com suas cerâmicas e pinturas que constroem narrativas ricas em detalhes.
ANTONIO Poteiro. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9718/antonio-poteiro. Acesso em: 28 de abril de 2024. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
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